15 julho 2017

O trabalho invisível e adoecedor dos agentes penitenciários - CFM


Artigo publicado no Conselho Federal de Medicina


Seg, 10 de Julho de 2017 11:01


Antônio Geraldo da Silva* e Rosylane Mercês Rocha**


Em recente veiculação nas principais redes de comunicação, o Brasil e o restante do mundo ficaram consternados com a morte de 56 detentos em uma rebelião ocorrida no Complexo Penitenciário Anísio Jobim em Manaus (AM). As autoridades federais e estaduais, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Comissão de Direitos Humanos, prontamente manifestaram-se e agiram em resposta ao massacre que ceifou as vidas que estavam sob a guarda do Estado. Foram 17 horas de rebelião em 1º de janeiro, Dia Mundial da Paz e Dia da Fraternidade Universal, ocasião em que vários prisioneiros foram mortos, decapitados e esquartejados e 12 agentes penitenciários ficaram sob posse dos rebeldes.

Dos 12 reféns, seis foram libertados ao longo da noite e o restante na manhã seguinte. O susto foi tão grande que a maioria foi levada à emergência do hospital psiquiátrico da região com sintomas de ansiedade intensa, como insônia, tremores e falta de apetite. Alguns precisaram tomar medicamentos para aliviar as reações causadas pelo medo intenso. Para eles, não existe acompanhamento prévio de equipe multiprofissional, o que é grave. E apesar de todo esse pânico, não foram veiculadas notícias sobre o drama vivido pelos agentes penitenciários. É nesse sentido que trazemos à baila a discussão sobre o trabalho invisível e o sofrimento desses trabalhadores.

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A atividade laborativa desses servidores consiste em realizar atendimento às necessidades dos detentos, como: orientação; assistência; guarda e custódia; operação do sistema de veículos; revista nos segregados em celas, pátios e outras dependências; revista dos visitantes, servidores e demais pessoas que adentram nos estabelecimentos; segurança dos profissionais que fazem atendimento aos custodiados; vigilância interna e externa, incluindo as muralhas e guaritas; contenção; escolta armada em cumprimento às requisições das autoridades competentes e nos apoios a atendimento interno e hospitalar e de saídas autorizadas; escolta armada em transferências; assistência em situações de fugas, motins e rebeliões; auxílio na recaptura de foragidos e demais operações especiais. As atividades estão descritas nos editais de concurso público, com jornada de 40 horas semanais em regime de plantão, com salário de R$ 2 mil e exigência de nível superior.

Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), publicado pelo Ministério da Justiça em junho de 2015, a população carcerária do Brasil conta com 607.731 presos, com um custeio anual de R$ 12 bilhões. Esse total representa uma sobrecarga de trabalho gigantesca para o número insuficiente de agentes penitenciários. Para se ter ideia, há uma unidade com 625 detentos que chega a ter apenas três agentes por plantão. Durante as movimentações em que acompanham os detentos – para banho de sol, consultas, recebimento de visitas e idas ao fórum –, os agentes permanecem expostos, sem qualquer equipamento de segurança ou de monitoramento nas dependências. Para exemplificar, com 40 presos em trânsito, um grupo de seis agentes chega a realizar 250 movimentações em um único plantão. A tensão é permanente. O trabalhador precisa estar alerta durante toda a jornada laboral, o que acarreta um nível de estresse altíssimo.

Ao prender os criminosos, o Estado reconhece os riscos que esses sujeitos representam para a sociedade. Na invisibilidade do seu ofício, os agentes penitenciários têm importante papel no processo de ressocialização dos detentos. Todavia, vivenciam o temor por sua própria segurança. Eles também testemunham as condições desumanas dos ambientes prisionais, vivem a frustração de não conseguirem atingir o objetivo no processo de ressocialização e a acompanham constantemente práticas de violência, nos mais variados sentidos, impostas pelo próprio sistema em sua (des)estrutura organizacional.

Para o exercício da atividade de agente penitenciário, há que se fazer uma adaptação de vida que envolve parentes e amigos. A família é orientada a não comentar sobre a profissão do agente e se priva de atividades sociais comuns. Um carro parado à porta ou pessoas estranhas passando por perto são motivo de alerta e medo. Soma-se a isso o terror daqueles que sabem que fazem parte da “lista” dos marcados para morrer por determinação dos líderes das facções. Como trabalhar em condições tão desumanas e viver diariamente sob forte pressão e medo?

Para piorar, em total desrespeito às normas de segurança e saúde no trabalho e ao arrepio da Constituição Cidadã, o agente penitenciário está exposto a riscos reais de adoecimento por enfermidades infectocontagiosas ou por transtornos mentais. Até mesmo o adicional de insalubridade é pago sob ordem judicial, apesar dos laudos técnicos comprovando as condições insalubres de trabalho, uma vez que a profissão nem sequer consta no Anexo 14 da Norma Regulamentadora 15 (Portaria MTE nº 3.214, de 8 de junho de 1978). Em vários sentidos, o trabalho dos agentes não é visto, não é reconhecido e tampouco é valorado em sua complexidade.

Transtorno misto de ansiedade, síndrome do pânico, depressão, estresse pós-traumático, hipertensão arterial, diabetes mellitus, dor crônica e tuberculose estão entre as principais doenças que acometem os agentes. A ausência de reconhecimento e de sentido de utilidade, o completo desrespeito às normas de segurança e saúde, a falta de assistência médica e psicológica, a insegurança e o alto índice de estresse ocupacional são causas incontestes do adoecimento do agente penitenciário.

É urgente que o Estado adote medidas de saúde e segurança nos presídios e promova assistência à saúde física e mental dos agentes penitenciários, disponibilizando médicos do trabalho, psiquiatras e psicólogos para atendimento necessário a esses profissionais. Chega de ser ausente.




* Antônio Geraldo da Silva - Psiquiatra, superintentende e CEO da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e presidente eleito da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL).

** Rosylane Mercês Rocha -  Médica do trabalho, secretária nacional da International Commission on Occupational Health (ICOH) no Brasil, diretora de legislação da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), presidente da Associação Brasiliense de Medicina do Trabalho e conselheira federal de medicina.


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2 comentários:

  1. Estas mazelas que o funcionário do sistema passa , estado omisso

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  2. Fui agente Penitenciário no IPAT próximo ao Compaj, triste realidade de inversão de valores perante o trabalhador, estava na maior fuga de internos no Instituto Penitenciário Antonio Trindade em 9 de julho de 2013 com 176 internos foragidos, neste dia estava tendo visita da família do internos, e em pleno domingo um oficial de justica chegou com um mandado de alvará de soltura de um interno, coisa que não acontecia no final de semana, então o supervisor mandou o motorista ir ate manaus para coletar assinatura do diretor da Unidade.
    Como eu era o responsável e averiguar se os documentos estavam todos assinado pelos responsáveis, logo fui retirar o interno do pavilhão para sua soltura, o dia estava diferente como de costume em um final de semana de visitas, muito calado família saindo cedo, retirei o interno e o mesmo me informou que era para mim tomar cuidado pois naquele dia haveria uma rebelião.
    Prontamente informei ao meu supervisor que não deu a importância necessária ao fato na hora do termino da visita as 17 horas da tarde quando a ultima visita saiu do portao da unidade deu-se inicio ao procedimento de retirada dos internos da quadra de visita para o pavilhão e suas selas, porem com uma informação clara de um interno que haveria fulga o supervisor em questão não tomou medidas de segurança adequada, o procedimento era fazer uma fila unica e passar em um corredor ate chegar ao pavilhão escoltado pelos agentes que naquele momento só tinham uma algema e uma chave, nada mais.
    como uma bomba humana os internos colocaram o portão de acesso ao pavilhão deixando 14 agentes como refém, em questão de segundos os mesmos já tinham tomado a cadeia, o caos estava lançado, vi que o supervisor não aceitou minha opinião de fazer a escolta de 5 em 5 internos ao pavilhão preferiu fazer de uma vez só.
    Nesse momento eu ja tinha saído do local e retirei a enfermeira e a assistente social e todas as agentes femininas quando cheguei com as mulheres fora da unidade olhei pra laje os agentes estavam sobe domínio dos internos não se podia fazer mais nada, de imediato fui fazer a contagem do agentes pois a unica coisa que salvei foi as mulheres e minha prancheta com relação dos agentes daquele plantão, metade dos meus colegas estavam sobre o fio das facas e facões em seus pescoço na beira da laje. O estado tomou conta da crise com seu pms e agentes estaduais porem não foi o forte suficiente de impedir uma fuga em massa desse dia fique 2 anos sem ser um cara normal nao conversava não tinha natal ano novo relação nenhuma com minha esposa meus filhos e família nada !
    houve a troca de empresa e todos os anos que fiquei la nao recebi nada !
    que era meu por direito nem seguro eu tive por 2 anos de dedicação ao estado do Amazonas prestando meu serviço a sociedade o agente terceirizado é pior que uma merda boiando em meio a um boeiro nao se sabe se suporta tamanha pressão psicológica dos presos ou se e humilhado pela empresa que trabalha e o estado omisso e opressor. Aos Amigos agentes vcs sao mais que um guerreiro que Deus guarde todos vcs

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