23 dezembro 2013

BLOG DOS AGENTES :Facção criminosa troca atos de barbárie por foco em negócios


PCC se transformou numa espécie de “holding” em torno da qual gravitam quadrilhas de traficantes, ladrões, sequestradores e contrabandistas de armas


Gestado no caldo de violência nas prisões e no vácuo deixado pelos órgãos públicos, o Primeiro Comando da Capital (PCC) trocou os atos de barbárie – a matança seguida de decapitações – pelo planejamento e se transformou numa espécie de “holding” em torno da qual gravitam quadrilhas de traficantes, ladrões, sequestradores e contrabandistas de armas.

Seu império está sendo erigido basicamente nos negócios com cocaína, geridos a ferro e fogo de dentro das prisões, como demonstra a primeira ação repressiva articulada das forças policiais em 20 anos.

O resultado é surpreendente: 55 toneladas de drogas, seis delas de cocaína pura (o resto é de maconha), foram apreendidas apenas em São Paulo em dez meses, causando na organização um rombo superior a R$ 100 milhões, um baque que abalaria qualquer empresa de médio porte – menos o PCC.Agência Brasil
As investigações oficiais confirmam: a organização controla 169.085 dos 201.699 presos paulistas, 137 das 152 unidades prisionais

O volume de apreensões de cocaína da facção criminosa mostrado pela Agência de Atuação Integrada contra o Crime Organizado para marcar, no início de dezembro, o primeiro ano do pacto de colaboração celebrado entre a presidente Dilma Rousseff e o governador Geraldo Alckmin em novembro de 2012 é um sucesso repressivo e, ao mesmo tempo, uma grande preocupação. No montante não estão incluídas as estatísticas da Polícia Federal de 2013 e nem a constatação dos organismos de segurança segundo os quais é sempre bem superior a quantidade de operações de tráfico que driblam os bloqueios e chegam aos pontos de distribuição. No geral, as apreensões são inferiores a 5% da droga produzida.

Os resultados até agora obtidos mostram que o PCC é uma organização diferenciada e de incrível mobilidade no mundo do crime. Além do controle sobre fornecimento e distribuição da cocaína, a quadrilha atua firmemente no tráfico de armas, roubos, sequestros e corrupção de agentes públicos, dentro e fora das cadeias. Sua principal ferramenta ainda é o telefone celular que, graças à conivência de agentes públicos corruptos, entra nas prisões por R$ 25 mil.

“O PCC é uma organização criminosa armada, de caráter permanente”, afirmam 22 promotores do Ministério Público paulista na denúncia de 876 páginas – resultado da maior investigação já feita no Brasil e que esquadrinhou a estrutura da quadrilha – em que o Estado brasileiro reconhece, pela primeira vez, a existência da organização.

“É um erro pensar que o combate ao PCC seja eficaz apenas pelo bloqueio de dinheiro e de seus bens. As prisões de seus integrantes e apreensões de droga efetivamente causam prejuízos, mas a organização tem uma impressionante capacidade de reposição”, alerta da socióloga Camila Nunes Dias, da USP, que estuda o fenômeno.

As investigações oficiais confirmam: a organização controla 169.085 dos 201.699 presos paulistas, 137 das 152 unidades prisionais; tem mais de seis mil integrantes trabalhando dentro dos presídios mediando conflitos e 1.800 “soldados” nas ruas da capital. Outros 2.398 detentos filiados estão esparramados por presídios de outros estados.

Cerca de 80 “soldados”, dentro e fora de presídios, trabalham como se fossem “embaixadores” na Bolívia e Paraguai, entrepostos da droga comprada nas fontes de produção. É o principal indicativo, conforme assinala o Ministério Público, de que o PCC já tem status de organização criminosa internacional. Todo esse exército atua como se fosse militante de uma causa, embora até as pedras saibam que o alvo é o lucro do crime.

Justiceiro

Em São Paulo a capilaridade do PCC é visível, mas impossível de dimensionar em números. As investigações apontam, no entanto, que seus integrantes controlam também parte do transporte urbano, lavam dinheiro em imóveis, bares, pizzarias, agências de automóveis e toda atividade que possa escapar do controle estatal.

Nas quebradas da periferia paulistana se misturam aos negócios um azeitado esquema de segurança, que protege a população contra a violência ou pune excessos, como ocorreu no caso do menino boliviano assassinado friamente durante um assalto este ano em São Mateus: os autores foram mortos pelo PCC quando chegaram à prisão.

Na investigação que durante quase três anos se concentrou nos líderes reclusos em Presidente Venceslau, os promotores paulistas afirmam que o PCC investiu dinheiro e ordenou a militantes que trabalhassem por candidatos a cargos políticos em 2010. Também citam sucessivas incursões de advogados do grupo no Supremo Tribunal Federal para quebrar resistências da justiça paulista na concessão de habeas corpus ou pedidos de transferência dos presos.

Pablo Escobar

Há uma variedade de definições sobre o perfil da quadrilha, que se tornou o fenômeno criminal mais estudado nos últimos anos. No Brasil, há mais de uma dezena de livros e uma infinidade de teses acadêmicas sobre a quadrilha. Nada é mais esclarecedor que uma simples busca no Google, que aponta 8.620.000 citações.

“O PCC é uma organização pré-mafiosa. Cresceu e se enraizou no Mercosul graças à incompetência do Estado”, sustenta o jornalista Josmar Jozino, experiente repórter policial e autor de Cobras e Lagartos, um dos primeiros livros a escancarar as deficiências estatais ante o sempre crescente poder do crime.

Camila Nunes Dias, que produziu “PCC – a hegemonia nas prisões e o monopólio do crime, diz que não é fácil definir o PCC. Ela afirma que a organização se movimenta por uma ideologia alimentada pela guerra contra o estado e batalhas de retaliação contra as forças policiais, especialmente a PM paulista. “Lembra a Colômbia da era Pablo Escobar”, diz.

Outra estudiosa, da Universidade Federal de São Carlos, a antropóloga Karina Biondi, autora de Junto e Misturado – uma etnografia do PCC, classifica a organização como um “movimento”. A quadrilha se autodefine simplesmente como “organização criminosa” e alimenta sua força interna nos serviços que presta aos detentos e nas comunidades em que está presente.

rcolaAE

Sua estrutura horizontal de comando é obra do homem eleito pelos órgãos de repressão como o inimigo número 1 do estado brasileiro: Marcos Willian Herbas Camacho, o Marcola, 45 anos, em cujo perfil cabem tanto as qualificações de um gênio no mundo do crime quanto as maldades de um sanguinário.

Segundo o Ministério Público, Marcola encabeça uma lista de 175 nomes de detentos pesos pesados, que se articulam e se alternam como mandantes de atentados contra autoridades (no ano passado foram mortos 106 policiais militares), chefes e financiadores do tráfico e de roubos cinematográficos ocorridos no país, entre eles o da sede do Banco Central de Fortaleza, em 2005.

Recolhidos na Penitenciária II de Presidente Venceslau, a Noroeste da capital, Marcola e outros sete presos integram a chamada “sintonia fina geral” da organização representam um desafio permanente um atestado à fragilidade do Estado no enfrentamento ao crime. Por mais surreal que possa parecer, é de lá que partem as ordens.

Num diálogo com outro comparsa, registrado pelo MP, aparecem alguns fragmentos sobre o poder de Marcola. Ele diz que tem “50 homicídios nas costas”, se queixa do destino – “Acabou! Mataram eu em vida!” – e faz uma afirmação que soa como um ruído nos ouvidos das autoridades: o PCC, segundo ele, é o responsável pela queda de homicídios, a paz entre os ladrões nas cadeias paulistas e, de quebra, a proibição do crack nas unidades controladas pela organização.

“Há dez anos todo mundo matava todo mundo por nada. Hoje pra matar alguém é a maior burocracia”, afirma o bandido que, daqui a dois anos, se transformará num impasse para as autoridades: como a lei brasileira não permite pena contínua superior a 30 anos, Marcola terá direito constitucional à liberdade. Ele entrou no mundo do crime como trombadinha aos nove anos, está preso desde 1986 e há 20 ajudou a fundar o PCC.

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